Histerectomia: Uma Jornada Para Além do Corpo Físico
- Vanessa Cardoso

- 21 de out.
- 3 min de leitura

A decisão por uma histerectomia – a remoção cirúrgica do útero – é frequentemente cercada por conversas sobre alívio da dor, fim de sangramentos intensos ou o tratamento de condições médicas sérias. No entanto, o que muitas vezes fica em segundo plano, tanto nas consultas médicas quanto nas conversas familiares, é o profundo impacto psicológico que este procedimento pode ter. A histerectomia não é apenas um evento físico; é uma jornada emocional complexa que merece atenção, cuidado e, acima de tudo, validação.
A psicologia nos ajuda a compreender que a experiência de cada mulher é única, moldada por suas histórias de vida, suas expectativas e o significado que o útero tem para ela. Ignorar essa dimensão é deixar uma parte crucial do processo de cura desassistida.
O Turbilhão de Emoções: Da Ansiedade ao Alívio
Antes mesmo da cirurgia, é comum que um verdadeiro turbilhão de emoções se instale. O medo do desconhecido, a ansiedade sobre a recuperação e as preocupações com as mudanças no corpo são sentimentos válidos e esperados.
Após o procedimento, a montanha-russa emocional pode continuar. Muitas mulheres relatam uma sensação avassaladora de alívio, especialmente se a cirurgia significou o fim de anos de dor crônica e desconforto. No entanto, sentimentos de perda e luto também são extremamente comuns. O útero está simbolicamente ligado à feminilidade, à fertilidade e à identidade feminina. A perda da capacidade de gerar filhos, mesmo para quem já tem família ou nunca desejou a maternidade, pode desencadear uma tristeza inesperada.
É fundamental entender que não há um jeito "certo" de se sentir. Permitir-se vivenciar tanto o alívio quanto o luto é o primeiro passo para uma recuperação emocional saudável.
Redefinindo a Autoimagem e a Sexualidade
Um dos maiores desafios psicológicos pós-histerectomia está na relação com o próprio corpo e a sexualidade. A ausência do útero pode levar a questionamentos sobre a própria feminilidade e a uma sensação de "estar incompleta".
Preocupações comuns incluem:
"Ainda sou mulher?": A equação cultural que liga o útero à identidade feminina pode ser abalada.
"Meu parceiro(a) ainda me verá da mesma forma?": O medo da rejeição e das mudanças na dinâmica do relacionamento é uma preocupação real.
"Como será minha vida sexual?": Dúvidas sobre o desejo, o prazer e possíveis desconfortos físicos são frequentes.
A psicologia e a terapia sexual podem ser aliadas poderosas neste processo. Trabalhar a autoimagem, fortalecer a autoestima e promover uma comunicação aberta com o(a) parceiro(a) são caminhos para redescobrir o prazer e a intimidade. Muitas mulheres, inclusive, relatam uma vida sexual mais satisfatória após a cirurgia, livres da dor e do sangramento que antes as limitavam.
O Impacto na Saúde Mental: Depressão e Ansiedade
Estudos mostram que mulheres que passam por uma histerectomia podem ter um risco aumentado para o desenvolvimento de depressão e ansiedade. Fatores como a queda hormonal abrupta (especialmente se os ovários são removidos, induzindo a chamada "menopausa cirúrgica") e a existência de transtornos de humor prévios podem intensificar esses quadros.
É crucial estar atento aos sinais:
Tristeza persistente e perda de interesse em atividades prazerosas.
Alterações de humor, irritabilidade e choro fácil.
Preocupação excessiva e dificuldade em relaxar.
Alterações no sono e no apetite.
Buscar ajuda profissional não é sinal de fraqueza, mas sim um ato de autocuidado. A psicoterapia pode oferecer ferramentas valiosas para navegar por essas emoções e desenvolver estratégias de enfrentamento.
Estratégias para uma Recuperação Psicológica Saudável
Assim como o corpo precisa de tempo e cuidados para se recuperar, a mente também precisa. Aqui estão algumas estratégias para fortalecer seu bem-estar emocional durante essa jornada:
Informe-se: Converse abertamente com sua equipe médica. Entender o procedimento, os efeitos esperados e o que fazer durante a recuperação diminui a ansiedade.
Permita-se Sentir: Acolha todas as suas emoções sem julgamento. Negar a tristeza ou a raiva só adia o processo de elaboração.
Construa uma Rede de Apoio: Compartilhe seus sentimentos com pessoas de confiança, seja seu/sua parceiro(a), amigos ou familiares. Grupos de apoio com outras mulheres que passaram pela mesma experiência podem ser incrivelmente acolhedores.
Pratique a Autocompaixão: Trate-se com a mesma gentileza que trataria uma amiga querida. Seja paciente com seu corpo e suas emoções durante a recuperação.
Comunicação é a Chave: Se você está em um relacionamento, converse abertamente sobre seus medos e expectativas em relação à intimidade e à vida sexual.
Busque Ajuda Profissional: Não hesite em procurar um psicólogo. Ter um espaço seguro para explorar seus sentimentos pode fazer toda a diferença na sua recuperação e na forma como você irá ressignificar esta fase da sua vida.
A histerectomia é um marco, um ponto de virada que, embora desafiador, também pode ser um portal para um novo capítulo de autoconhecimento, autocuidado e empoderamento.
Cuidar da sua saúde mental é tão vital quanto cuidar da cicatrização física. Lembre-se: você não está sozinha.






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