O Diabo pode existir em mim
- Heitor G. Fagundes

- 9 de set.
- 3 min de leitura
Desde pequenos, aprendemos o valor de sermos bons. "Não mente", "não grita", "não incomoda", "seja bonzinho". Somos aplaudidos quando obedecemos e repreendidos quando desobedecemos. Assim, vamos crescendo com um desejo quase instintivo de sermos corretos, justos, educados.
Mas por trás dessa couraça de bondade, há uma outra realidade mais crua, mais real: nossa alma não é só luz. E talvez o mais assustador — e libertador — seja admitir que... o Diabo pode existir em mim.
Não o diabo como figura mítica, chifruda, vinda para nos assombrar. Mas a distorção viva e íntima da energia divina. Sim, a alma vem a esta vida para trabalhar, transformar, redimir exatamente as partes distorcidas que existem dentro de nós — aquelas que a sociedade nos ensinou a esconder. O egoísmo, a inveja, a raiva, o prazer em dominar, manipular, ferir.
Tudo isso nos habita, ainda que reprimido, silenciado, disfarçado em boas intenções.
Falar no Diabo pode ser aterrorizante. É como tocar num tabu ancestral. "Não diga isso!", "Deus me livre!". Rejeitamos a ideia, porque acreditamos que se há um diabo em nós, então somos maus. Mas é exatamente aí que está o maior erro: negar essa parte não nos torna bons, apenas nos torna inconscientes. E o que é inconsciente, nos governa sem que percebamos.
Por outro lado, há quem se sinta atraído pela ideia de "descobrir o diabo interior". Como se dissesse: “Hmmm, que delícia, sombras, segredos e poderes ocultos me esperam”. E sim, talvez entre os escombros da dor e da fúria, more uma força genuína — um poder criativo, vital — aprisionado pela distorção. É preciso ir até lá para libertá-lo.
A religião nos ensina a combater o Diabo. E sim, é verdade: ele deve ser transformado. Mas muitas vezes esse combate é feito através da rejeição, da negação, da repressão. E tudo que é reprimido se fortalece nas sombras. A melhor forma de combater o diabo é conhecendo-o. Observando-o. Permitindo que ele fale — sob nossa supervisão consciente.
Na palestra Pathwork 134 - O Conceito do Mal, temos:
“Você precisa atravessar o seu inferno interior para encontrar o seu paraíso. Você precisa encontrar o seu diabo para descobrir o seu Deus.”
Se, ao invés de nomearmos esta parte como “o mal absoluto”, pudermos vê-la como uma distorção da energia divina — nossa forma pessoal de negar Deus — então ela se torna mais acessível à transformação.
Cada pessoa carrega um "diabo" diferente, uma maneira única de distorcer o amor, a verdade, a entrega. Esta é a grande prova: olhar para esse ser interno e dizer com presença: “Eu te vejo. Eu quero te conhecer.”
Isso não quer dizer sair pelo mundo ferindo os outros com impulsos sombrios. Significa encontrar momentos e espaços protegidos onde possamos ser, por instantes, 100% diabólicos sem fazer mal a ninguém. Onde possamos deixar a máscara cair e ouvir com honestidade o que essa parte em nós quer dizer.
Pode ser a sós, ou com alguém que saiba sustentar esse espaço — um terapeuta preparado, um espelho humano que conheça seus próprios infernos.
Esses espaços existem, mas são raros. Nem todos os terapeutas foram convidados a entrar nesse território porque isso exige que primeiro tenham caminhado por seus próprios abismos.
Alguns, no entanto, aceitaram esse chamado. E seguem ajudando aqueles que estão prontos para conhecer-se por inteiro — Deus e o Diabo.
Porque quando nos permitimos ser esse “ser do mal”, ainda que por um instante, deixamos de negá-lo. E então algo muda. O Diabo perde o poder que tem no escuro. Passa a ser apenas mais uma parte.
Uma parte que existe, mas não é tudo. Uma parte que, conhecida, pode ser redimida. E talvez — quem sabe — possa um dia se transformar na própria luz.








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